NABOKOV NUMA HORA DESSAS
Certa feita, um crítico pederasta (passe a
redundância) resolveu acusar Vladimir Vladimirovich Nabokov de pornógrafo.
Corriam os anos cinqüenta, e Lolita
acabava de sair do prelo. A crônica da época, como se sabe, era tão pederasta
quanto a crítica (sobretudo n’América, essa gorda ressentida). Talvez por isso,
não registra se o genial peterburguês mandou, como é verossímil, o crítico ir
tomar na peida. Registra, isso sim, que o nosso inefável caçador de borboletas,
já decerto gordo e careca e com as mãos cobertas de calos, destruiu o libelo do
crítico com uma argumentação de quem conhece tudo de literatura e ainda mais de
sacanagem. Pornografia, explicou Nabokov, exige necessariamente um crescendo. Começa com beijinhos ao
pescoço para terminar, via de regra, com oito crioulos e uma zebra a
alternar-se no mister de esporrar furiosamente nos cornos da heroína da
história. (PITZER, Andrea. The
secret history of Vladimir Nabokov. Nova York: Pegasus Books, 2014.)
Ora, caralhos lha fodam, com um mínimo de honestidade
intelectual, nenhum padrão semelhante pode discernir-se em Lolita. No livro, a sacanagem que há está justamente no começo! De
Annabel Leigh segurando a rôla do protagonista (I was a child and she was a child, / in this kingdom by the sea,
justificaria um outro pedófilo — e atenção, literatas fudecas, à
intertextualidade) a Dolores Haze esfregando-se na mesma rôla, já envelhecida e
gasta pelo uso, mal transcorreram cinqüenta páginas. Daí à meteção à vera
haverá outras trinta. Depois disso, e entrementes, o que há é superior
literatura (, caralho). Onde a gradação, onde o crescendo, onde os oito crioulos e a zebra (, buceta)?
Quatorze anos depois, a mesma escusa haveria de
absolver Ada or Ardor: o ponto
culminante da história, no que respeita à sacanagem, está no meio exato do
livro, quando o protagonista vai à zona e lá arrebenta os entrefolhos a um moçoilo
adolescente, e ao retirar o jonjolo encontra-o tristemente decorado numa
mistura perfeitamente broxante de sangue, mostarda e merda (“sintomas
disentéricos muito pouco apetitosos a revestir a pra-te-leva do amante”, em
tradução livre nossa). Ora, muito bem, se no meio do livro já chegamos à
escatologia, é absolutamente impossível que, nas trezentas páginas restantes,
se observe a necessária gradação característica da pornografia. Nem se
chamarmos a zebra (“ou a vaca, ou a bicicleta”, acrescentaria o próprio autor).
Portanto pornografia não é.
A tudo isso, assim humilhado e assim ofendido, que
mais poderia dizer o crítico analfabeto em literatura e em pornografia? Talvez
apenas responder, qual Caetano Veloso diante das obras completas da Leandro de
Itaquera, que ali abunda e viceja o mau gosto, mau gosto, mau gosto, mau gosto.
Orville Prescott, do alto de sua tribuna no New
York Times, admitiu ser o autor um cavalheiro de “habilidades esplêndidas”,
mas “completamente corrompido”: “ele a um só tempo brilha e fede, como uma
cavala podre ao luar” (a crítica especializada tem hor-ror a tudo o que exale
odores marinhos). Outros ainda reviraram os olhinhos de nojo diante das
metáforas gros-sei-ras que Nabokov utilizara para uma caralha hirta (“o cetro
de minha paixão”) e uns juvenis entrefolhos em flor (“uma rosa castanha”).
Longe de mim comparar-me a Nabokov, que fique bem
entendido. Faltar-me-iam, para isso, esse mínimo de engenho e arte imprescindíveis
para que o simples cotejo entre um e outro não fosse recebido com um álacre alarido
de apupos e guinchos da crítica e do público alfabetizado brasileiros (todos os
cem). Nem sou homem de circunlóquios. Uma xavasca é uma xavasca é uma xavasca.
Mas ouso crer que as reflexões do mestre sobre a natureza da pornografia são o
quanto basta para mandar ao caralho todo leitor agredido e ofendido que me
acuse, também a mim, de pornógrafo. Aqui não há crescendo, aqui não há
gradação. Por questões de estilo e de convicção, a minha filosofia sempre foi oposta
à do português que reluta em contar, a uma roda de senhoras, uma piada que
começa levinha, mas que depois vai ficar pesada (“era uma vez um chupador de bucetas
que...”).
Sei bem que nada disso terá a menor importância, nos
tempos que correm. Não tivesse ele também o seu quinhão de culpa pelo estado
atual do nosso Brasil, Luís Fernando Veríssimo haveria de concordar comigo e
parafrasear-se a si próprio (“literatura numa hora dessas?”). Mas, enquanto
todos nós esperamos que quem de direito se digne finalmente mandar a
excelentíssima senhora Presidente da República ir tomar na peida, a literatura
e a sacanagem permanecem distrações tão válidas quanto o arremedo de esporte
bretão que ainda se pratica no Brasil. Enquanto espero, estou relendo meu
Nabokov. E faço fé em que o desenrolar do processo político não me dará tempo de, encerrado o Nabokov, ter de ir procurar sacanagem noutras obras
do meu próprio cânone pessoal de autores que apreciam buceta (seguintes na
lista: a passagem em que um dos Aurelianos Buendía faz de tudo para comer a
própria tia Remédios [ou era Milagres?], e as muitas referências desconcertantes
de Machado de Assis a braços desnudos de mulheres casadas, todas elas escritas
apenas com a mão esquerda, que a direita se entretinha em labores outros).
4 Comments:
Nem só de sacanagem vive e trata o engenheiro, mas também e sobretudo de erudição, mordam-se de inveja os críticos pederastas que tomaram conta dos segundos cadernos, caralhos os fodam até a ruptura final da prega-rainha, amém.
Olavo Pascucci é, sem dúvida, o Machado de Assis da putaria (que não se confunde com pornografia).
Prezado Engenheiro,
Tenho que confessar que larguei um peido molhado de tanto rir quando o Senhor mencionou que a pornografia costuma revelar-se quando há um crescendo que termina com "oito crioulos e uma zebra". Não obstante esse prazer duplo (a risada e o que a acompanhou), venho notando que o Senhor deixa de tocar em tema mui sensível nos dias de hoje.
Pergunto, a senhora sua mãe era autoritária? Mandava no senhor seu pai? Se não era assim, e espero que não fosse mesmo, gostaria de sugerir que o Senhor versasse sobre a ameaça que paira sobre todos os portadores de uma caralha. Não sei se te ocorre, mas igualdade é o início da dominação (vide burgueses e nobres). E ser dominado por mulher é algo que deve preocupar qualquer sacudo digno do nome.
Com isso, convido-o a pronunciar-se sobre o feminicídio, o uso da expressão ele/ela, as cotas para mulheres em nosso douto parlamento, dentre outros temas que estão a pôr meus cuelhos de pé.
Mestre Olavo, morreu Miele, eminente boêmio e putanheiro. Merece algumas palavras da sua lavra...
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